Gerontologia
A gerontologia é o campo do
conhecimento que estuda o envelhecimento natural, incluindo fatores biológicos,
psicológicos e sociológicos, diferente da geriatria, a qual estuda o as doenças
presentes nessas populações, incluindo as fases de diagnóstico e tratamento.
Por tanto, a nutrição em gerontologia é o campo que estuda os aspectos
nutricionais na perspectiva do envelhecimento, desde as alterações
fisiológicas, a promoção da saúde e prevenção de doenças por meio de uma
alimentação adequada e saudável.
A alimentação tem um papel central
na prevenção de doenças, mas também no manejo clínico de algumas doenças, como
na diabetes mellitus, hipertensão, dislipidemias e obesidade. No campo
preventivo, a nutrição pode se apresentar de três modos:
Prevenção primária, que tem ênfase
na promoção e prevenção da saúde com base em uma alimentação saudável associada
a atividade física.
Prevenção secundária, envolve a
redução de risco e retardo dos progressos de doenças crônicas relacionadas à
nutrição com objetivo de manter a funcionalidade e qualidade de vida dos
indivíduos. Por exemplo, um indivíduo diabético que não consegue manter uma
alimentação adequada e o controle da glicemia pode resultar em complicações que
vão impactar na sua qualidade de vida e reduzindo a sua dependência e
funcionalidade para realização de atividades cotidianas.
Prevenção terciária, nesse caso o
foco é o gerenciamento de caso e o planejamento de alta, por exemplo, em
indivíduos hospitalizados que apresentam alterações no trato gastrointestinal,
disfunção na mastigação e no apetite, o que vai resultar na necessidade de
terapia nutricional, com modificação de dietas e limitações
quali-quantitativas.
Alterações
fisiológicas com impacto sobre nutrição do idoso
Composição corporal – devido
as alterações hormonais, alterações do controle hidroeletrolítico, disfunções
no trato gastrointestinal, redução da capacidade de diferenciação e
proliferação celular, os indivíduos idosos sofrem diversas alterações na sua
composição corporal. Os dois principais tecidos afetados durante o
envelhecimento são o tecido adiposo e o tecido muscular.
Tecido adiposo – tende a sofrer um aumento durante o aumento, especialmente com a deposição na região abdominal, a chamada gordura visceral, que envolve os órgãos está associada a complicações metabólicas e doenças cardiovasculares.
A obesidade é uma das
consequências desse maior acúmulo de gordura, essa doença está associada a
diversas complicações, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares,
hipertensão arterial, artrite sistêmica, dislipidemias e câncer. No cuidado
nutricional do paciente idosos obeso, a perda de peso deve estar entre os
objetivos centrais, já que além dos aspectos de saúde, está associado
diretamente com a qualidade de vida e funcional desses indivíduos. O manejo
nutricional na obesidade, assim como nas outras faixas-etárias, deve ser
acompanhado de uma dieta hiperproteica se não houver restrições devido à
problemas hepáticos e renais. Uma perda ponderal de 10% já apresenta resultados
satisfatórios, essa deve ser a meta nos 6 primeiros meses por meio da
reeducação alimentar, adequação energética e atividade física.
Tecido muscular – enquanto o tecido adiposo, principalmente o visceral, tende a aumentar, o tecido muscular sofre uma drástica redução durante o envelhecimento, estima-se que a partir de 50 anos de idade ocorra uma redução da massa muscular de 1,2 a 2% por ano. Essa redução da massa muscular também reflete na redução da força muscular. Essa redução concomitante da força e massa muscular resulta no quadro da sarcopenia, uma doença musculo esquelética. Devido a essas alterações, a população idosa se torna fator de risco para maiores complicações hospitalares, tal qual o maior risco de quedas e fraturas, menor funcionalidade e maior morbimortalidade.
Obesidade sarcopenica – com o aumento do tecido adiposo podemos pensar que a massa muscular desses indivíduos aparenta estar adequada, entretanto, como vimos, a massa muscular tende a reduzir no envelhecimento, e quando esse individuo apresenta um quadro de obesidade a percepção dessa perda fica inviável apenas com exame físico, requerendo uma avaliação mais detalhada. Nesses indivíduos a perda de massa muscular pode se tornar mais grave do que em indivíduos estróficos devido ao quadro inflamatório crônico instaurado que afeta negativamente a massa muscular, além de a obesidade estar associado a inatividade física, consequentemente, acelerando a perda de massa muscular.
Desnutrição – é um problema recorrente entre idosos institucionalizados, ambiente hospitalar e de regiões com dificuldade de acesso a alimentação adequada. E um problema que não deve ser negligenciada. Idosos com desnutrição proteica-energética apresentam maior risco de complicações, imunidade prejudicada e fragilidade geral. Por exemplo pacientes denutridos apresentam maior risco de úlcera por lesão.
Úlcera de pressão – esse é um problema específico de indivíduos acamados, afetando principalmente a população idosa que por algum motivo perdeu a mobilidade e funcionalidade, resultando na permanência por logos períodos em leitos, seja de instituições de permanência, hospitais ou domiciliares. A úlcera por pressão afeta grade parte desses indivíduos, se trata lesões causadas pela pressão contínua que afetam o fluxo sanguíneo capilar para a pele e tecidos adjacentes. Vários são os fatores que podem influenciar no aparecimento dessas úlceras, no entanto a mobilidade prejudicada é o principal fator, bem como a incontinência urinária. A presença dessas úlceras é um sinal de alerta para o nutricionista que deve dar atenção nutricional especializada para esses indivíduos, havendo recomendações especificas para essa condição.
GRAU DA LESÃO |
RECOMENDAÇÕES |
Suspeita de lesão profunda no tecido |
30kcal/kg peso 0,8 a 1,0 g proteína/kg |
Estágio I |
30 a 35 kcal/kg peso 1,25 a 1,5 g proteína/kg |
Estágio II |
30 a 35 kcal/kg peso 1,25 a 1,5 g proteína/kg |
Estágio III |
35 a 40 kcal/kg peso 1,5 a 1,7 g proteína/kg |
Estágio IV |
35 a 40 kcal/kg peso 1,75 a 2,0 g proteína/kg |
Gastrointestinais – Obviamente, um dos sistemas mais afetados durante o envelhecimento é o sistema gastrointestinal, o qual sofre mudanças fisiológicas, histológicas, sensoriais e funcional, as quais, impactam diretamente no estado nutricional do idoso. Entre as principais alterações estão:
- Redução da capacidade de mastigação;
- Alteração do paladar (disgeusia);
- Redução do olfato (hiposmia);
- limitação de abertura bucal (trismo);
- Redução da salivação (xerostomia);
- Redução apetite (anorexia);
- Redução na produção de ácido hidroclorídrico (acloridria);
- Uso de prótese dentaria;
- Alterações na deglutição e esôfago;
- Redução das secreções digestivas;
- Alteração na função hepática;
- Alterações no trânsito intestinal;
- Redução da capacidade absortiva.
Essas alterações associadas a outros
fatores, como uso de medicamentos e certas doenças, afetam diretamente o estado
nutricional do idoso, gerando carências nutricionais e perdas importantes, tal
qual a redução da massa muscular, acarretando o quadro de sarcopenia. Já
algumas alterações podem afetar nutrientes específicos como a redução da
absorção de B12, a cianocobalamina é uma vitamina hidrossolúvel dependente do
fator intrínseco, que é liberado na região gástrica, o qual depende da acidez
do estomago para ser liberado, em outras palavras a acloridria afeta
diretamente a absorção de cobalamina, que a longo prazo pode resultar em
complicações como fadiga crônica, demência, confusão e fraqueza dos membros.
Imunocompetência – um dos
sistemas que mais impactam no estado nutricional e que mais sofrem com
alterações nutricionais, provavelmente, é o sistema imunológico. Indivíduos em
quadros de resposta inflamatória aguda possuem uma demanda energética-proteica
maior do que o normal, ao mesmo tempo que indivíduos desnutridos ou com
carências nutricionais apresentam quadros de imunossupressão. Com o avanço da
idade há um declínio natural na suficiência imunológica, ou seja, a resposta
imune de indivíduos idosos é mais vagarosa e menos eficiente, a qual pode ser
ainda mais afetada com carências nutricionais. Consequentemente, esses
indivíduos apresentam maior risco de doenças infecciosas e o desenvolvimento de
câncer, conforme as células do sistema imune também atuam na lise de células
cancerígenas.
Essas são algumas das principais
alterações do envelhecimento que estão relacionadas às complicações que afetam
o estado nutricional, podemos citar várias outras, como alterações
neurológicas, como Alzheimer, demência, depressão, disfunções renais, arritmias
e alterações oculares.
Triagem nutricional do idoso
Segundo as diretrizes de nutrição e
hidratação em geriatria da Europeia de Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN),
todos os idosos, independentemente do
diagnóstico – incluindo obesidade e sobrepeso – devem ser rastreados para a
desnutrição com uma ferramenta validada para identificar indivíduos com risco
nutricional. Se tratando de triagem nutricional, o padrão ouro é a
Miniavaliação Nutricional (MAN), que inclui dois elementos principais: (a) triagem
e (b) avaliação. É um formulário simples que conta com avaliação de dados antropométricos
(IMC, circunferência do braço, circunferência da panturrilha e perda de peso);
avaliação global (perguntas relacionadas com o modo de vida, medicação,
mobilidade e problemas psicológicos); avaliação dietética (perguntas relativas
ao número de refeições, ingestão de alimentos e líquidos e autonomia na
alimentação); e autoavaliação (a autopercepção da saúde e da condição
nutricional).
A Determine Your Nutritional Health
(DNH) é outra ferramenta de triagem que pode ser utilizada para avaliação de
idosos, nesse caso, para idosos hospitalizados e na atenção primária domiciliado.
Por fim a Nutritional Risk Screening
2002 (NRS2002) é outra ferramenta que também pode ser aplicada na triagem de
idosos.
Avaliação nutricional do idoso
Devido as alterações metabólicas que
impactam a composição corporal, algumas medidas aferidas durante a fase adulta
podem se tornar imprecisas no individuo idoso, por exemplo, as dobras cutâneas
e circunferências, pode estar superestimadas ou subestimadas devido ao excesso
de pele ou acumulo de líquidos, ou próprio IMC, que deve ser interpretado com
cautela, pois, como já vimos há um aumento da massa gorda e redução da massa
magra, e da estatura, devido a curvatura caracteristica do envelhecimento, dando uma falsa impressão de que o indivíduo
está eutrofica e com peso adequado, mas pode estar com sarcopenia e com outras
carências nutricionais. Entretanto, o Sistema de Vigilância Alimentar e
Nutricional (SISVAN) preconiza o uso do IMC como marcador de estado nutricional
de indivíduos com 60 anos ou mais.
Outro ponto importante é a diferença
entre a classificação do IMC de adultos para idosos, os quais possuem uma
classificação própria, a The Nutrition Screening Initiative (NSI):
IMC |
Classificação |
≤ 22 |
Desnutrição |
22 a 27 |
Eutrofia |
≥ 27 |
Obesidade |
Circunferência da cintura
É uma medida que não possui pontos
de cortes específicos para idosos, o que é importante já que como vimos, a
tendencia é que durante o envelhecimento haja maior acúmulo de gordura visceral.
Portanto a circunferência da cintura (CC) pode e deve ser utilizada para
monitorar o estado nutricional.
Atualmente são considerados pontos
de corte para risco de problemas cardiometabólicos associado a elevação da CC:
Sexo |
Risco aumentado |
Risco muito aumentado |
Masculino |
≥ 94 cm |
≥ 102 cm |
Feminino |
≥ 80 cm |
≥ 88 cm |
Circunferência da panturrilha
Utilizada para o diagnóstico da
sarcopenia, a circunferência da panturrilha é uma das principais medidas quando
o assunto é avaliação nutricional do idoso, sendo um excelente método para
avaliar a perda de massa muscular, recorrente nessa população. De maneira
geral, considera-se o ponto de corte ≤ 31 cm para ambos os sexos. Valores acima
desse, considera-se adequado.
Altura do joelho
Por ser uma população pode
apresentar índices elevados de indivíduos acamados, a altura do joelho é uma
das medidas mais utilizadas nessa população. A altura de joelho pode ser um bom
marcador para estimar a altura de indivíduos acamados, pois é umas das medidas
que sofre pouca ou quase nenhuma interferência com o processo de envelhecimento.
Necessidades nutricionais
O envelhecimento impacta diretamente
no metabolismo, uma das alterações mais perceptíveis é a redução da taxa metabólica
basal (TMB), mais um fator que pode acarretar alterações no estado nutricional,
como a obesidade se a ingestão alimentar adequada e a prática de atividade
física não fazerem parte dos hábitos do idoso.
A sociedade Europeia de Nutrição
Clínica e Metabolismo (ESPEN) possui diretrizes especificas para a nutrição e
hidratação do idoso, nela a instituição traz algumas recomendações com objetivo
de prevenir complicações durante o envelhecimento.
A orientação de ingestão da ESPEN é
de 30kcal por kg de peso por dia, sendo esse valor ajustado para atividade
física, estadiamento da doença, estado nutricional e tolerância. Para idosos
com IMC ≤ 21, recomenda-se valores entre 32 e 38 kcal de kg por dia.
Quanto a ingestão proteica, os
idosos devem ingerir 1,0 g de proteína por kg de peso por dia. Em algumas
condições a quantidade de proteína deve ser ajustada, por exemplo em quadros
inflamatórios, infecções, úlceras e doenças crônicas são sugeridos de 1,2 a 1,5g/kg
e até 2,0 g/kg para indivíduos com desnutrição, doenças graves ou lesões.
Recomendação geral |
Desnutrição |
|
Energia |
30 kcal/kg/dia |
32 a 38 kcal |
Proteína |
1,0 g/kg/dia |
2,0 g |
Água |
1,6 a 2L/dia |
- |
Para os idosos que apresentam
sobrepeso e obesidade, a ESPN recomenda o uso da restrição calórica, de mais ou
menos 500 kcal/d a menos do que a necessidade, tendo como base a ingestão
mínima de 1000 a 1200 kcal por dia. Objetivo dessa restrição a perda de 0,25 a
1kg por semana, ou 5 a 10% do peso inicial em 1 mês. Esses indivíduos devem
receber ao menos 1g de proteína por dia.
Em todos os processos, manutenção,
perda ou ganho de peso, a educação alimentar e nutricional possui um papel
muito importante destaca a ESPEN em suas diretrizes, portanto, esses indivíduos
devem ser orientados quanto a ingestão adequada e saudável de acordo o seu
ciclo de vida.
Micronutrientes
Além de desnutrição e sarcopenia, a
população idosa é propensa a sofrer de algumas deficiências devido ao envelhecimento,
como o caso da vitamina D, o calcitriol, que apresenta sua síntese cutânea
reduzida em idosos, ou a cianocobalamina (B12), que pode ter sua redução
prejudicada devido a acloridria.
Pessoas com 50 anos ou mais devem
ingerir alimentos fortificados com forma cristalina da B12, como cereais e
suplementos alimentares. Recomenda-se também a suplementação de vitamina D para
idosos, com doses de 50.000 UI, 1 vez na semana por 8 semanas; 6.000 UI ao dia
por 8 semanas ou 3.000 a 5.000 UI por dia durante 6 a 12 semanas.
RDA
PARA IDOSOS
Nutriente |
Quantidade |
Vitamina B12 |
2,4 mg |
Vitamina D |
800 UI ou 5 µg |
Ácido fólico |
400 µg |
Cálcio |
1.200 mg |
Fosforo |
700 mg |
Potássio |
4.700 mg |
Sódio |
1.500 mg |
Zinco |
11 mg/H 8 mg/F |
Ferro |
8 mg |
Referências
1.
MAHAN, L. K.; ESCOTT-STUMP, S.; RAYMOND, J.L.
Krause: Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 15ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2022.
2. VOLKERT, D. et al. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition and
hydration in geriatrics. Clinical
Nutrition, v. 41, n. 4, p. 958–989, 1 abr. 2022.
3.
VITOLO, M.R. Nutrição: da gestação ao
envelhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Rubio, 2014